Tuesday, March 28, 2006

Velhos tempos.. Belos dias...

Chego em casa. Na geladeira, uma fatia de bolo de cenoura. Cobertura de chocolate. Nem gosto muito de doces. Nem gosto muito de bolos. Mas, de repente, quando vi aquela fatia de bolo de cenoura, não sei por que... Mas senti uma saudade dos bolos que eu fazia antigamente... Antigamente mesmo, há muitos anos... sem exageros...

Houve uma época na minha vida em que não fazia outra coisa, a não ser cozinhar. Quer dizer, eu fazia outras coisas, mas também, cozinhava. E cozinhava muito. Às vezes, eu tirava o dia somente para preparar coisas gostosas, inventava receitas, modificava uma coisa ali, outra acolá... Passava horas dentro da cozinha... Depois congelava tudo. Meu freezer vivia cheio de guloseimas. Era ótimo, porque sempre que dava vontade de comer uma coisa diferente, era só descongelar e pronto. Ou então, quando chegava uma visita sem avisar (argh, odeio quem chega sem ao menos dar um telefonema antes!), eu tinha lá, sempre algo a oferecer...Ai ai, velhos tempos... Belos dias...

Hoje, não tenho mais paciência para essas aventuras na arte culinária...Não consigo nem ficar mais de vinte minutos dentro de uma cozinha. A não ser que seja uma data especial, ou eu tenha um convidado igualmente valioso.

E, até por isso, qualquer novidade na geladeira aqui de casa, ou trata-se de fruto de minha ida a uma delicatessen, ou Juliana (que trabalha aqui em casa) teve um surto emocional e resolveu fazer.. Ou, então, alguém (um vizinho, a mãe do namorado de Amanda, ou a minha mãe...) resolveu mandar... Dificilmente, a novidade deliciosa, linda, e que dá água na boca, é de minha autoria.

Acho que esse negócio de cozinhar é realmente uma arte. A gente precisa de inspiração, precisa de estímulo..
Caso contrário, mal dá vontade de preparar uma macarronada. E, de sobremesa, no máximo, algo bem rápido, como um brigadeiro, sem se dar nem ao trabalho de enrolar. Tirar da panela, pôr num prato e pronto. Quem quiser, que coma de colher...

É isso.

Mas por que estou divagando a respeito desse assunto mesmo? Ah, sim. O bolo de cenoura na minha geladeira. Amanda avisou que é dela e que ninguém ouse tocar... A mãe do namorado mandou.

Tá certo. Eu não gosto mesmo de doces...

Roubei só um pedacinho. Só para me sentir voltando a um tempo do qual tenho saudade. E me lembrar de como era bom quando eu me dedicava à arte de cozinhar...

(Amanda acaba de me permitir comer {mais} um pedaço do bolo... É... A mãe do namorado dela anda inspirada. O bolo está realmente muito gostoso. Ai ai..)

E eu estou precisando de inspiração. Mas hoje, cheia de provas para corrigir, aulas para preparar, e dia nublado... Impossível!

Amanhã penso nisso!

Friday, March 24, 2006

Hoje só tem pão velho



Amanheceu chovendo. O cheiro abafado, e o vento molhado me incomodam. Sinto-me asfixiada em dias de chuva. Desprotegida. Parece que as águas vão me retirar alguma coisa. Talvez o brilho que tentei cultivar durante a semana ensolarada. Curioso é que durante a semana ensolarada, eu me peguei reclamando, quase praguejando contra aquele mormaço que subia pelas minhas pernas, tomava conta do corpo todo e me fazia suar até o último fio de cabelo.
E nessa manhã, eu já com saudade do suor em minha testa, olho para as pessoas na rua. Parecem todas também asfixiadas. Cheiro de mofo.
Nos lugares aonde vou, tudo irritantemente úmido. Piso escorregadio. Congestionamento. Tudo muito apertado em dias de chuva. Todos são feios. As caras são cinzas, os olhos embaçados...
Tudo parece girar em torno de um mesmo ponto. Nem agonia percebo. Simplesmente não há o que viver. Minha roupa cheira à cachorro molhado. Me sinto pobre. E pobre no sentido íntimo da pobreza. Sem nada que possa me edificar como pessoa. Vida errante. Sem destino certo. Sem moradia própria. Sem segurança por perto. Uma estátua nua. Sem rosto. Sem pele, sem pulsação. Me vejo na rua. Criança com fome, nariz escorrendo, blusa de lã encharcada. Mãos frias. Pés descalços. A chuva fina batendo na carne sem vida. E o estômago fundo, vazio... Criança à porta de uma casa grande, de luz apagada, pedindo algo para comer. E a imagem de uma mãe que nunca foi minha: hoje só tem pão velho. E a criança sem perspectiva: eu quero, dona.
Hoje só tem pão velho, e é o que vejo por toda parte. Pão velho, murcho e embolorado.
A chuva me irrita. Talvez porque jogue na minha cara que, na verdade, o que sobra depois de tudo, é o que está fora do prazo de validade, o embolorado, e que tem de ser metido goela abaixo porque não há nada melhor para enganar o estômago.
E parece que a alma da pessoa se mostra mais em dias de chuva. E eu chego a sentir o odor fétido do bolor que vai dentro muita gente. Ou esse cheiro viria de dentro de mim?
E é tudo tão podre, tão vil, que me pergunto o real motivo da existência de muito ser humano (?). Questiono até o motivo de eu estar ali e com minha alma também tão exposta. Sinto-me vulnerável.
E as fotos dos risos de um passado tão próximo, dos abraços, dos beijos, do “todos unidos”, ficam sem sentido. Ou perdidas numa realidade paralela. Tenho a impressão de que, se eu pular para o lado, vou cair num outro espaço que nem sei dizer se seria o que minha alma diz que poderia ser...
Na verdade, em dias de chuva, não sei onde estou. E se existe algum lugar mesmo. E é tudo tão opaco. E eu não estou. Nem sou. Não existo. E nem me sinto...

(Adriana - 24 de Março de 2006 )